Uma cidade como esta
de Giovanni Raboni
tradução de Agnes Ghisi e Elena Santi
posfácio de Andrea Santurbano
"É hábito entre nós – com toda razão, aliás – definir Milão a São Paulo italiana. No entanto, neste mosaico de vinte poemas escritos e, às vezes, reescritos ao longo de quase quarenta anos, a metrópole captada por Giovanni Raboni nunca é “desvairada”. É, sobretudo, um lugar mental, mais lido intensamente do que fotografado de forma impressionista, que concentra história, memória, restos e futuro numa comunhão visceral; lugar no qual o peso das ruínas, de um passado que benjaminianamente não quer silenciar sua voz, evita qualquer fuga complacente rumo à modernidade. Os poemas de Raboni compõem uma escala cromática da cidade feita de contrastes íntimos que, como dito, vão de uma observação para uma participação e um viver nunca passivos e contemplativos. Contudo, a responsabilidade de compartilhar de um destino ou bem coletivo não quer abrir mão totalmente da posição privilegiada de um olhar de fora, que saiba percorrer as dobras do tempo e do espaço."
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Nada pode arruinar pra mim a festa
de um amanhecer, quando o sol que dá
fôlego pra sua rouquidão desperta
com as dores e os crimes a cidade
que amo e tenho em mim a felicidade
de lhe ser ainda cúmplice. A esta
fronteira se detém a potestade
dos números e assombros, aqui a crista
lacerada levanta a vida e faz
calar o arcanjo do remorso. É a luz
a minha morfina. Vai, passa aos atos,
me digo, mostra-lhes do que és capaz,
finca mãos e nariz onde reluz
como um tesouro a obviedade dos fatos.
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Giovanni Raboni (1932-2004) foi escritor, poeta, crítico literário, jornalista e tradutor. Traduziu, entre outros, Gustave Flaubert, Charles Baudelaire, Marcel Proust. Entre suas contribuições críticas no campo da literatura destacamos os volumes Poesia degli anni sessenta (1976) e o livro, organizado por Andrea Cortellessa, La poesia che si fa (2005). Sua atividade de poeta começa no final da década de quarenta e continua até o final de sua vida. Entre as coletâneas lembramos Le case della Vetra (1966), Canzonette mortali (1987), Versi guerrieri e amorosi (1990), Ogni terzo pensiero (1993), Quare tristis (1998), Barlumi di storia (1992). Colaborou com diversos jornais e revistas, como Aut Aut, Questo e altro, Avvenire. Sua figura é fundamental no panorama cultural italiano do segundo pós-guerra em diante, tendo atuado como promotor cultural, crítico cinematográfico e teatral, consultor editorial. Nasceu a viveu a vida inteira em Milão, cidade muito amada e que, frequentemente, é protagonista nos seus poemas.
Tradutoras:
Agnes Ghisi é mestra em literatura, tradutora, professora de italiano na escola Italiano Oggi, co-criadora e mediadora do clube de leituras Letturine (@letturineclube). Traduziu microcontos de Cesare Pavese publicados em Trabalhar é um prazer e outros microcontos (7Letras, 2022) e poemas de Patrizia Valduga, em Sabe seduzir a carne a palavra (Edições Jabuticaba, 2023).
Elena Santi é pesquisadora, tradutora e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora. Pelas Edições Jabuticaba publicou as traduções Virá a morte e terá os teus olhos, de Cesare Paves com Cláudia Alves (2022) e Sabe seduzir a carne a palavra, de Patrizia Valduga com Agnes Ghisi (2023). Traduziu e organizou uma plaquette dedicada à Laura Accerboni, Água água fogo (Macondo, 2024). É doutora em literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina e suas pesquisas se concentram na área de literatura italiana, poesia contemporânea e literatura comparada.
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ISBN: 9786501093277
Ano: 2024
Formato: 14x21
Número de páginas: 58
Edição bilíngue
Edições Jabuticaba é uma pequena editora voltada para a boa literatura. Floresce interessada em divulgar novos autores e a traduzir poetas e prosadores clássicos e contemporâneos que gostaríamos de ver em circulação no Brasil.