Renan Nuernberger
O título deste novo livro de Renan Nuernberger, o terceiro em sua trajetória, aponta para duas atitudes (além de todo jogo que as palavras isoladamente também proporcionam). Por um lado, “insular”, como a atitude do sujeito que se fecha numa ostra (tema de um dos mais belos poemas do livro), exausto do contato com o cotidiano, esse “que avilta, deprime”, como escreveria Drummond; por outro, “proceder”, verbo que leva a uma ação, dando prosseguimento a algo começado.
Este é o convite geral que Renan faz ao seu leitor: insular e proceder ao mesmo tempo, num movimento incessante; nesse caminho de enfrentamento da experiência moderna os dois atos - de se fechar e de se abrir a partir do fechamento - partem de uma tradição lírica consolidada, a que formou Renan como leitor e estudioso de poesia, e que chegou até ele não mais com seu frescor original, mas como ideologia, como algo petrificado e transformado em mercadoria.
A consciência disso, em sua poesia, desde seu primeiro livro, salta aos olhos: o que poderia ser um pastiche de formas prestigiadas da poesia parece agir por dentro do poema, reativando forças ainda inéditas, principalmente ao contrastar a forma de uma certa tradição lírica com a experiência terrível do mundo de hoje. Isso já havia sido observado por Fábio Weintraub e Pádua Fernandes no posfácio de Luto, segunda coletânea de Renan. Eles notavam o desajuste “entre a matéria dos poemas” e “a adesão a soluções compositivas dos poetas de outrora”. Um risco (o do mero pastiche) que se transforma num achado, pois busca na forma do poema o testemunho de uma experiência comum, de revolta e recusa, que atravessa nossos tempos.
Já de saída, o poeta evoca o spleen baudelariano, a melancolia das calçadas, da vida urbana. Mas sem aquela possibilidade, mesmo que irônica, do encontro com o outro: que aqui é representado por um entregador, de capacete, com o rosto coberto e ausente, cada vez “menos irmão”. É a tônica do isolamento físico e social, cujo ápice aparecerá no poema “Por um mundo obstinadamente fechado”, que evoca Francis Ponge e seu famoso poema da ostra. O salto de Renan não objetiva a pérola, como em Ponge, mas ser a ostra: “Ser uma ostra: manter-me quieta/ ruminando meu relógio calmamente/ até o dia, enfim, em que se forme/ uma joia – encravada neste verso –, / polida sobre um parco grão de areia”.
Este seu terceiro livro de poemas potencializa toda uma tradição da poesia (a do modernismo, a do concretismo e a do desbunde dos anos 70, incluindo aí a lírica da canção), e encontra a medida certa entre humor e amor, sempre necessários, e a consciência crítica. “Confundir escuridão com imobilismo é o maior dos equívocos de qualquer desbravador”, alerta o poeta-narrador do último e mais longo poema do livro. É essa escuridão que seu livro encara, enfrentando a enxurrada de múltiplas mercadorias despejadas diariamente pelo neoliberalismo.
--Heitor Ferraz Mello
SOBRE O AUTOR
Renan Nuernberger (1986) é poeta, crítico cultural e professor de Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo. Publicou, entre outros livros, Mesmo poemas (Sebastião Grifo, 2010), Luto (Patuá, 2017) e o ensaio Mistura adúltera de tudo: a poesia brasileira dos anos 1970 até aqui (Círculo de Poemas, 2024).
isbn: 978-85-93478-42-0
Ano: 2025
Formato: 14x21
Número de páginas: 76
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