Andreia C. Faria
"Enquanto uma mulher que perdeu parte do corpo durante uma explosão na guerra sente vertigens ao olhar para o céu, outra mulher abre a barriga de um peixe-lua com uma faca e enfia sua mão nas entranhas viscosas do bicho. Em outro lugar – não sabemos se perto ou longe – existe uma terceira mulher. Ela limpa os quartos de uma pensão caindo aos pedaços, enquanto outra mulher se pergunta sobre o que significa escrever e observa as pontas dos seus dedos cheias de verrugas, verrugas que, de repente, se transformam em pequenas estrelas mortas, mesmo mortas seguem irradiando luz. A presença ou o fantasma das mãos, mas, também, do sexo, do passado e de pequenas violências cotidianas assombram as personagens das sete histórias que compõem Clavicórdio, da portuguesa Andreia C. Faria. Essas mulheres vivem no limite entre a sujeira, o mau cheiro, as coisas que apodrecem e uma beleza estranha e erótica que emerge do contato, sem anteparos, da vida com aquilo que a contém de modo mais concreto: o corpo, a carne, os odores, a pele rugosa e repulsiva, mas, também, a linguagem. Andreia C. Faria nasceu na cidade do Porto, em 1984, publica desde 2008 e sua obra – ela escreve, sobretudo, poemas – vem recebendo inúmeros prêmios no seu país. Clavicórdio é uma pequena obra-prima de gênero indefinido, ou melhor, de gênero fugidio, como se o poema fosse um animal faminto que, assim como as cracas que devoram o casco dos navios, corrói a linearidade das frases, a racionalidade do enredo, e instauram a intensidade do verso nessas vagas linhas longas que a autora estica como uma corda, para depois, como num estranho instrumento musical, suave e metálico, fazer ressoar." -- Flávia Péret
"Ele entra-me nos sonhos como uma doença, com um brilho de penas desfeitas. Entra esmagado e vivo como um animal.
Pende-me dos sonhos desunido, desdobrado, posto na garganta a florir. Como a flor da japoneira, ele pesa e abre as suas mil insones pálpebras, decalca a geométrica abundância de tudo o que respira e se replica. Ele é o fruto frio sobre as teclas do meu estranho clavicórdio. O meu coração vive e expulsa-me da sua vida, existo para ele como súbita carne mudada, a besta que entre tarefas transforma a sua espécie em palavras."
SOBRE A AUTORA
Andreia C. Faria nasceu no Porto, em 1984. Publicou Flúor (Textura Edições, 2013), Um pouco acima do lugar onde melhor se escuta o coração (Edições Artefacto, 2015) e Tão bela como qualquer rapaz (Língua Morta, 2017, Prémio SPA Poesia). Em 2019 publicou Alegria para o fim do mundo (Porto Editora, Prêmio Literário Fundação Inês de Castro), volume que reúne todos os livros de poesia anteriores. Em 2020 publicou o conjunto de prosas Clavicórdio (Língua Morta), e em 2022 Canina (Tinta da China, Prêmio PEN e Prêmio Casino da Póvoa Correntes d’Escritas. O seu livro mais recente, Canto do aumento (Sr. Teste, 2024), reúne três ensaios líricos com desenhos de Rita Roque.
isbn: 9786501548456
Ano: 2025
Formato: 14x21
Número de páginas: 116
Edições Jabuticaba é uma pequena editora voltada para a boa literatura. Floresce interessada em divulgar novos autores e a traduzir poetas e prosadores clássicos e contemporâneos que gostaríamos de ver em circulação no Brasil.